Bem ou mal, tudo o que aqui está escrito é da autoria de naomedeemouvidos, salvo citações e/ou transcrições devidamente assinaladas; pontualmente, um texto ou outro baseiam-se em lendas ou histórias conhecidas.
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O Porto destes dias não é o mesmo Porto da minha infância e juventude. Ou, não é exactamente o mesmo. Tive um professor na faculdade que insistia em lembrar-nos que todo o progresso tem um custo e esse custo, por vezes, é elevado. Não sei, ainda, avaliar o que o progresso baseado num turismo de massas e alojamento local epidémico irá custar à cidade do Porto. Imagino que o mesmo que já custou a outras tantas cidades, a outros locais, cá dentro e lá fora, onde já pouco sobra da genuinidade e genialidade da gente, do povo que dá cor, vida e alma ao ar que se respira, às pedras que murmuram histórias, às ruas que nos embalam em abraços sentidos.
Mas, vim encher-me de mimos, rodear-me de outros imensos afectos. Ainda pude, ainda posso. Deixei cá parte de mim. A minha irmã, o meu sobrinho. Os meus pais. Sempre eles, são um pilar robusto, inamovível, que resiste a todas as intempéries. E o meu pai conhece o Porto como poucos. Posso perder-me e encontrar-me em todas as ruelas, as mais escondidas, as mais improváveis, as mais autênticas, onde os mais velhos ainda me chamam menina. No Porto, é possível ser menina toda a vida.
Apesar das obras em série, da proliferação de gruas e da emergência de hotéis a cada esquina, claro que a cidade ganhou com o turismo, nunca se perde tudo. Há zonas, outrora votadas ao abandono, que renasceram, dinamizaram-se e oferecem, agora, mais do que quadros sujos e deprimentes. Em contrapartida, o trânsito parece mais desordenado, caótico, com hordas de turistas, maioritariamente, nacionais e estrangeiros, a cruzar as ruas, em bando, sem qualquer respeito pelos sinais luminosos ou outros, toureando a sorte para desespero de quem conduz.
Em cada canto, a cidade fervilha carregada de memórias que imagino diferentes das das páginas da poetisa, de memórias seguramente diferentes das minhas e, no entanto, há cores e cheiros que perduram, um casario que ainda encanta, que ainda resiste, que vive para além dos contos.
Há a cidade do rio, de onde se mira Vila Nova de Gaia e a Serra do Pilar, em frente ao velho casario que se estende até ao mar, da calçada da Ribeira, o Porto de encantos, de luzes e sombras, o Porto que desperta e atormenta os nossos sentidos.
Ainda persiste, todavia, um Porto de outrora, o do tempo que se perde ganhando, entre amigos, o Porto que se pega à pele, o que se bebe, o que alucina.
E, depois, há o Porto do património religioso, imperdível, insubstituível, o que arrebata e apazigua, o que exalta e silencia.
O turismo é bem e mal, é anjo e demónio, é salvador e é voraz, cobra o seu preço, impõe as suas regras. Que bom seria se não nos deslumbrássemos para lá da conta que venha a valer a pena pagar.
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